sexta-feira, junho 18, 2010

Alegrem-se com o Novo, envergonhem-se do Velho!


Alegrem-se com o Novo, envergonhem-se do Velho!
B.Brecht
Adriano de Aquino
06/2010
Guardo, sempre a vista, desde a adolescência, essa ultima frase do poema de Brecht intitulado A Procura do Velho e do Novo.Usada aqui como titulo é arrepiante.Pode ser entendida como provocação irritante,uma afirmação desprezível ao que um dia foi,como tudo mais,alegre,estimulante e que o tempo encarregou de tornar velho e nostálgico. À medida que diferenciamos os ângulos de observação essa curta frase se estende,amassa,enruga e volta a se esticar, recompondo-se e reintegrando-se as mais intimas questões ou ardendo em confrontos com os valores e ícones impostos pelos novos tempos. Afinal, fala de um destino irremediável do qual todo ser humano, arte, cultura e modelos civilizatórios estão tragicamente condenados. É bom frisar que minhas reflexões surgem e se desenvolvem à partir de associações livres.Não sou um expert em Brecht,muito menos um scholar. Não é minha pretensão revelar um conhecimento que não possuo sobre o processo criativo,envolvimento ideológico, objetivos políticos e estética revolucionaria do famoso poeta e dramaturgo. São reflexões desprovidas de intuitos históricos e desvinculadas de posições politicamente corretas,tão em voga em nossos dias. São apenas impressões que coletei nas minhas próprias experiências.Esclarecido isso, me ponho a apresentar os motivos que levaram essa frase a ser protegida e sobreviver em um micro clima mental durante tanto tempo. Por que ela sobreviveu,se renovou em diversos momentos de minha vida?Por que ela e não outras citações e idéias, mais amenas e aparentemente mais férteis?
Não sei se todos conhecem o poema na integra.Vou colar no final desse artigo.Se colar agora,nesse momento, os leitores irão se lixar para minhas elucubrações,pois, poesia tão poderosa tende a tornar banal e dispensável qualquer esforço em decifrá-la.
Pelos idos das décadas de 60/70quando resolvi acatar minha escolha pela vida artística, o mundo tinha uma configuração bastante diferente da que hoje vivenciamos. Achei, num texto que escrevi em 2008,um maço de anotações
[Quando lerem seus papéis
Pesquisando, dispostos ao assombro
Procurem o Velho e o Novo, pois nosso tempo
E o tempo de nossos filhos
É o tempo das lutas do Novo com o Velho] -valeu Brecht! que situa minha visão de mundo na época. Escrevi:... Para um jovem daquele período, que dava os primeiros passos no mundo da arte, um expressivo conjunto de valores da modernidade ainda permeava a mentalidade da época colocando em questão a idéia ocidental de Absoluto e focando o caráter efêmero da vida e da arte. As sucessivas marteladas de Nietzsche, que ainda ecoam como uma forma de desencantamento do mundo, a argúcia arrasadora de Freud contra as ilusões metafísico-religiosas e os fundamentos sócio-econômicos de Marx, dissolveu no ar o que ainda restava de oculto nas crenças e nos negócios do mundo moderno. As colunas centrais da religião, das instituições acadêmicas e as velhas hierarquias econômico/social, alvos de contestações de toda ordem, balançavam. As ruas tornaram-se palco da insatisfação. Movimentos de jovens transbordaram das universidades, escolas , museus, galerias, bibliotecas e espraiavam pelos campos e avenidas.Um enorme processo de desconstrução, que teve inicio na alta modernidade, encontrou nos jovens do século XX, sobretudo nos da geração dos anos 60/70, a voz e a potência para o confronto com toda autoridade constituída: Estado, família, arte, instituições, gênero,sexualidade, política, propriedade, ideologia, mercado, tradições, mente, corpo etc. No meu entender essa foi a derradeira agitação estético/cultural que, mobilizando e transformando inúmeros modos de expressão artística, curiosamente, não era em si, um movimento específico das artes. Não podemos esquecer que os grandes concertos de música, as polêmicas exposições de arte, a literatura, as leituras de poesia, etc. que empolgavam uma multidão de jovens ocidentais, não eram, ainda, fenômenos atrelados à indústria cultural ou submetidos a interesses econômicos mais objetivos. Essa geração se propunha reconstruir,ou melhor,revolucionar o mundo.Senão,ao menos, adentrarem uma vida melhor sobre as ruínas do passado. Havia uma alegria contagiante pelo Novo e certa vergonha pelo Velho!
Ainda bem que o ruído estridente das guitarras,os gemidos dos sexos emancipados, as viagem psicodélicas etc. não me impediram, por muito tempo, de ver que esse troço de arte jovem era uma arapuca,uma bobagem.
A grande arte é cúmplice do tempo!
As revoluções políticas que se consolidavam também não deixaram margem a duvidas sobre o caráter perverso do poder dominante de coloração extremada, que se estabilizou sobre os anseios de mudança e liberdade.
Quando as utopias amainaram vimos que a paisagem havia se alterado substancialmente. As ideologias políticas perderam muito do seu poder sedutor, regimes autoritários entraram em colapso, e arcaicas estruturas institucionais desmoronaram por completo.
Olha o novo aí de novo,gente!
Uma nova cultura econômica, aparentemente mais flexível, que acenava com a perspectiva de prosperidade para os povos surgiu no horizonte. Pouco importa o nome que se dê ao conjunto de forças políticas e econômicas que se empenharam nessa nova via. O fato é que a abundância de recursos trazidos por essas mudanças expandiu o mercado em todas as direções. Simultaneamente, uma embrionária rede tecnológica se expandiu e de forma magnífica transformou de um extremo a outro o panorama cultural. A dinâmica dos recursos oferecidos pela tecnologia da informação produziu um forte impacto em todo sistema produtivo. Na arte esse impacto é enorme. As modalidades de produção, as reações e a mentalidade que hoje se fixou no ambiente cultural dá margem a inúmeras considerações.
Parte da produção artística da atualidade, voltada para a produção de ícones, gestos, instalações, gadgets etc. e fundadas sobre a égide da efemeridade da vida e da arte acionou a partida de um NOVO discurso estético. Os produtos artísticos hoje em voga se apropriam de itens de um sub-repertório. Eventos inspirados em logos banais e cotidianos subiram ao status de arte. Parecem ao primeiro olhar, manifestações integradas ao complexo sistema de comunicação hoje disponível e um desdobramento conseqüente do impacto produzido pelos novos meios tecnológicos. Porém, se olharmos com mais atenção é possível vislumbrar um certo desconforto. Uma reação curiosa tenta ilustrar as virtudes de um novo mundo que conecta indivíduos de todo o planeta. O modelo de arte mundialista que nos últimos trinta anos enche as grandes mostras de arte internacionais parece afirmar que o desejo de ruptura das fronteiras geográficas, tão desejada pelos modernistas, tornou-se realidade,uma realidade restrita a grupos específicos. Artistas de diversas regiões do globo, oriundos de culturas há pouco tratadas como periféricas pelos grandes centros, aparecem, de repente, integrados ao Pantheon artístico universal. Para o otimista boquiaberto isso é uma constatação cabal de que as instituições se reinventaram e o ajustamento de suas políticas distribui saber e harmonia entre as diversas culturas do planeta.
Oh! Mundo maravilhoso!
Nunca na historia um movimento estético de ponta foi tão rapidamente assimilado,enriquecendo marchands,agentes e artistas da noite para o dia.
Porém,no subterrâneo, as coisas são bem diferentes. Muito mais do que se imagina. O surgimento das inúmeras ferramentas tecnológicas trouxe um grande problema para a arte. Incapazes de produzir, por meios tradicionais, estímulos aptos a fazer frente às trocas culturais disponibilizadas por novos recursos tecnológicos, uma parte da produção estética aderiu à demanda de uma nova fase promocional e mercantil, outra se fechou num circuito restrito de eleitos protegidos por curadores a serviço de instituições publicas e privadas. Contudo, as duas vertentes se submeteram a ideia de que uma aparente democratização das linguagens artísticas- uma espécie de vale tudo- é um recurso admissível. Contudo, essas iniciativas não responderam, muito menos ultrapassaram, os expedientes repetitivos de anunciar a morte dos meios tradicionais de expressão: a morte da pintura, da escultura do desenho etc. Tolice,sabemos que nada morre apenas por decreto.
Os artistas que desejam permanecer pintando,fazendo seus objetos sem se dar conta das transformações que ocorrem no tecido social,artistico e cultural tendem a se sentir excluídos da dinâmica do seu tempo . 
A recusa de refletir sobre as transformações que ocorrem ao seu lado é confortável,porem,não potencializa suas ambições a uma esfera mais ampla que seu atelie.    
Por outro lado,caso o envelhecimento e a morte das formas tradicionais de expressão artística fosse uma verdade, os modelos estéticos da atualidade teriam fatalmente que enfrentar a mesma sentença, seriam coagidos frente à dinâmica do presente. No entanto, essa duvida não é sequer cogitada.Bem,uma lógica que despreza o fato de que a arte quando poderosa,subverte preconceitos,modelos e sistemas,não consegue ir além do seu território de interesses.
Alheios a isso, os arautos de um modo de produção estética consolidado nos anos oitenta continuam repetindo a mesma bobagem. Talvez,porque essa é a forma mais fácil que encontraram para manter visibilidade na mídia e no mercado. Isso nos leva a supor que de 30 anos para cá a arte e o meio social atingiram perfeita harmonia.Se compararmos o modelo estético hoje dominante com as correntes estéticas do modernismo constatamos o quanto a contemporaneidade é repetitiva e entediante.
Isso fica escandaloso quando sabemos que nenhum movimento artístico do modernismo ultrapassou 10 anos de predominância de modelo.
É uma piada compararmos a mobilidade estética do modernismo com a     longevidade dos modelos da atualidade. 
As instalações,por exemplo,sua permanência como modelo estético  é um mistério de proporções faraônicas.Hoje,todo mundo é instalador,se não é agora,será um dia.Isso explica,em parte,o meu tédio nas visitas as megas exposições de arte. A longa permanência de um padrão estético levanta a suspeita de que a arte supostamente mundialista alcançou seu objetivo qual seja; recalcar o aparecimento de sucessivas experiências artísticas.
O Novo versus o Novo é o engodo da contemporaneidade.
Explico: no sentido inverso dos artistas da vanguarda histórica que contestavam toda forma de conservadorismo, regulamentos oficiais e regimes estéticos, um grande numero de artistas contemporâneos parecem satisfeitos com o padrão dominante e a regras institucionais seletivas.Em minhas considerações sobre a arte mais difundida nas ultimas três décadas não excluo a possibilidade de sujeição da atividade criativa à crescente centralidade da economia na vida contemporânea. Ao contrário de seus precursores, um grande contingente de artistas pós–modernos enxerga na institucionalização precoce uma virtude. Suas estratégias se montam a partir desse juízo. Os vários modos artísticos que surgiram no pós Segunda Grande Guerra herdaram e souberam usar a diversidade difundida pelos artistas da vanguarda histórica. Esses movimentos contestavam o sistema oficial de arte e a institucionalização pomposa. Os prodigiosos movimentos estéticos dos anos 50/60 são ricos, não apenas pelas obras que legaram e as questões que suscitaram, mas, também, pela abertura artística e cultural que disseminavam. Arrisco dizer que tal circunstancia permitiu aos artistas desse período inaugurar um fluxo produtivo fundado na autonomia criativa, ratificando, criticamente, alguns valores do modernismo e renovando a relação da arte com o imaginário da imortalidade. Esse último item é importante para entendermos melhor as repetitivas argumentações dos artistas atuais sobre a efemeridade como um enunciado estético que delineia as propostas da arte contemporânea. Ainda que o efêmero, anunciado como fundamento teórico da arte atual, pareça inédito ele não é. De fato, esse enunciado é um simulacro do imaginário da imortalidade diferenciado por artifícios conceituais.
Alguns segmentos das artes plásticas conceberam uma versão própria do relativismo nietzschiano mesclado a teorias dispersas coletadas em vertentes do pensamento desconstrucionista. A ligação com a vida acadêmica levou alguns artistas a adicionarem aditivos de antropologia cultural para acentuar o sabor de conhecimento pleno e funcionar como agente para rápida diluição de todo e qualquer critério artístico identificado,então, como reação conservadora. Munidos de fragmentos dispersos e convencidos da luta por uma causa nobre, artistas e teóricos partiram contra os focos de reflexão crítica e aptidão técnica, habilidades que vem sendo gradativamente desprezadas. Instalou-se, então, a crença de que vivemos hoje numa sociedade de homens livres e que todo individuo está apto a produzir o que bem entende sem mais se submeter a nenhum critério externo a si. Tal conceito se tornou um senso comum no campo artístico. Esse tipo de relativismo tornou-se o bálsamo para todos os males preenchendo de estratagemas a vaga idéia de que todo e qualquer procedimento estético tem o mesmo valor simbólico - a única coisa que os diferencia é a fama de quem os faz e o preço. Para consolidar sua permanência no meio cultural os adeptos dessa vertente falam da realidade como um fenômeno imutável e afirmam que a flexibilização dos meios de produção tornou possível a expansão da liberdade. Essas manifestações justificam nossa preocupação.É sempre bom lembrar que a confusão intelectual que se instalou é notável,porém, impotente contra a inevitável renovação crítica.
É até certo ponto compreensível, em uma sociedade altamente competitiva, a coexistência de grupos fechados. O recrudescimento das religiões, o consumismo galopante e outras formas de transferência imposta pelo cotidiano são dados que sempre levamos em conta quando refletirmos sobre a vida atual. A fragilidade das teorias dominantes que visam impor a idéia de que tudo que é avançado em arte é pleno de significado elevado e tem como objetivo a intervenção crítica imune às convenções, esbarra no fato de que o reconhecimento e a confirmação de suas investidas estão em conformidade com os pactos formais de que tudo que é identificado como avançado, inclusive o capitalismo avançado, espelham nossa época, a qual devemos nos curvar,cultuar e não contestar. Contestar a manipulação que sustenta o sucesso é hoje entendido como ataque histérico dos invejosos.Poucas vezes deparei com tão grande asneira. Uma asneira que se consolida e prolifera.Tem sempre um funcionário da imprensa para incensar o discurso de um ícone do mercado.As materias sobre cultura se concentram nas citações sobre preços e nas opiniões vaidosas sobre as preferências mercadológicas de um artista.Um diz que evita os leilões,insinuando uma diferença com aqueles que alcançam altos preços nesse sistema.Fica por aí!Sobre processo criativo,pensamento ou estética-O silencio! No fundo isso revela que importante mesmo é o negócio. O negocio da arte!
Warhol,considerado um visionario da cultura pop, adorava cunhar frases de efeito.Sua frase:"A arte suprema é o negócio" explodiu na cabeça de seus cultuadores como uma causa. Um contingente de artistas saiu repetindo esse aforismo sem mesmo se dar conta do que representava.Afinal, nem todos tem o talento de Warhol.Em suas performances sociais diárias,atras das lentes de seus óculos com olhar de caçador de raposa, Warhol sussurrava para legião de seguidores que o prestígio do artista recluso era Velho, Novo era o brilho das celebridades, Um Novo onde o negocio da arte é uma ferramenta imprescindível.
Um negócio que, de um tempo para cá, ganhou mais visibilidade que a própria arte.
Alegrem-se com o Novo! Envergonhem-se com o Novo de novo.Ele é Velho!
A poesia:
Procura do Velho e do Novo
Bertold Brecht
Quando lerem seus papéis
Pesquisando, dispostos ao assombro
Procurem o Velho e o Novo, pois nosso tempo
E o tempo de nossos filhos
É o tempo das lutas do Novo com o Velho.
A astúcia da velha trabalhadora
Que toma ao professor seu saber
Como um fardo pesado demais, é nova
E deve ser mostrada como Novo.E velho
É o medo dos trabalhadores,durante a guerra
De aceitar os panfletos que tem o saber, deve
Ser mostrado como Velho.Mas
Como diz o povo: na mudança de lua
A lua nova segura a lua velha
Uma noite inteira nos braços.A hesitação dos receosos
Anuncia o novo tempo. Sempre
Determinem o Já e o Ainda!
As lutas de classes
As lutas entre o Velho e o Novo
Ocorrem também dentro de cada um.
A disposição de ensinar do professor:
O irmão não vê, o estranho vê.
Examinem todas as ações e emoções de seus personagens
Na busca de Velho e de Novo!
As esperanças da mercadora Coragem
São fatais para seus filhos: mas o desespero
Dos mudos com a guerra
Pertence ao Novo. Seus movimentos desamparados
Ao arrastar o tambor salvador para o telhado
A grande ajuda, devem enchê-los
De orgulho ,a energia
Da mercadora que não aprende, de compaixão
Pesquisando , dispostos ao assombro
Alegrem-se com o Novo, envergonhem
-se do Velho!